Fecho
os olhos e respiro o escuro que me envolve. Inspiro lentamente enquanto obrigo
o coração a parar de bater aos poucos. Já nem resiste, perdeu a autonomia e a
força de vontade. Ou terei sido eu? Parou de bater. Desligo-me da vida, e
encarno num outro que não é de pele e osso. Um outro sem medos, sem perguntas,
sem anseios e preocupações. Um outro sem vida, um outro morto chamemos-lhe assim.
Um morto, mas não um peso morto, um morto que voa, e que sonha, mesmo que isso
não faça sentido, porque não podemos sonhar se não pudermos lutar pelos sonhos.
Fisicamente não me consigo ver porque mantenho os olhos fechados, não me posso
descrever, sei apenas que voo e não sei como é este mundo, mas imagino-o
escuro, frio, triste e só. Imagino-o assim porque não existe aqui nenhum outro
morto além de mim. Apesar de tudo, é aqui que me sinto sossegado. A mordaça
faz-me lembrar o quão bom é nada ter para dizer, o quão bom é o silêncio que irrompe
pelos ouvidos doridos. A falta de toque, a falta de cheiro, a falta de
sensações e de emoções… ah quem bom que é! Que bom seria ficar aqui para sempre,
ser simplesmente um outro morto!
3.4.16
17.12.15
A história da árvore
-
Vou contar-te uma história. Queres ouvir? Não respondes… Já não tens paciência
para me ouvir provavelmente, ou talvez eu já nem me faça ouvir, talvez seja
apenas um homem louco que acha que os outros fazem ouvidos moucos e talvez seja
eu quem emudeceu. Ainda aí estás? Não interessa vou contar-te na mesma a
história da minha árvore. Foi com o
vento que veio, ainda em semente, e misturada com a poeira levantada ao longe,
não se sabe de onde terá vindo, o vento é traiçoeiro e não se pode acreditar
nele, por isso nunca lhe perguntei, para não ser enganado. Os pingos grossos de
chuva que se foram entranhando na terra, ajudaram a tornar o piso lamacento.
Prenderam a semente e hidrataram-na. Foi crescendo um fino e frágil caule. Com
o tempo foi crescendo, protegido por mim e por outros em meu redor. Sobreviveu
a tempestades ainda novo, foi crescendo, engrossando, o caule passou a tronco
grosso, nasceram ramos e folhas, cravaram-se fortemente as raízes no chão.
Ficou uma bela árvore. Serviu de suporte para um baloiço improvisado que terá
feito uma criança muito feliz certamente. Suportou uma cama de rede, e
embalou quem nela se deitou, sobreviveu a um incêndio. Acima de tudo era a minha
árvore, porque era a árvore com quem eu falava. Encostava-me a ela ou
sentava-me no seu pé e conversava com ela. Tenho a certeza que me ouvia, apesar
de não vociferar nada, sentia que ela me ouvia e respondia. Um dia ceifaram-na
20 cm acima da raiz. Levaram o tronco, os ramos, as folhas, os ninhos e todas as
minhas conversas com a árvore. As minha alegrias, as minhas tristezas, os meus
sentimentos... Mataram a minha árvore, e com ela desapareceu tudo, nunca mais
haverá árvore igual... - dizia-me o velho enquanto dedilhava a morte entre os
dedos. O silêncio tomou conta do ambiente, e eu percebi que a história afinal
não era de nenhuma árvore. Tarde demais para lhe perguntar, já não me responde.
Terá mesmo contado a história antes de morrer, ou estarei eu a ficar louco por
ter imaginado que o velho mudo falou comigo mesmo antes de morrer?
14.12.15
Máquina do tempo
É
impossível reviver o mesmo dia, recomeçar. A mesma segunda-feira de novo, nada volta
atrás, nem mesmo o tempo. A vontade de desligar a meio do dia, sair sem gravar,
recomeçar, como se fosse um nível difícil de um qualquer jogo de plataformas,
esbarra na possibilidade de poder acontecer. Invento na minha cabeça uma
máquina do tempo, imagino-a sem luzes, negra, vazia. Funciona com as vontades
dos outros, meto-me dentro, espero que alguém forneça a vontade necessária para
que se ligue e me leve, não para o início do dia de hoje, mas para uma qualquer
data, anterior ou posterior. Fico em pé porque não imaginei o assento, mas também
porque imagino que as vontades dos outros sejam suficientemente fortes para que
a espera não se torne longa. Espero pacientemente, sem pensar em nada, de olhos
fechados, respiro lentamente a calma que me envolve no meu mundo, na minha capsula,
na minha máquina do tempo… Aguardo as vossas vontades…
18.11.15
Apelo ao degelo
É o gelar que me incomoda! Cresce
em mim a vontade de sair a correr pelo mundo fora e soltar o grito ensurdecedor
de um qualquer Deus poderoso o suficiente para todos o temerem. Pode ser de um
Zeus e do seu trovejar, pode ser de um Noto e das suas tempestades de vento,
pode até ser de uma Ganesha com toda a sua sapiência. No entanto é a gelar que
me sinto, incapaz de reagir, entorpecido pelas gotas de gelo que prendem os
movimentos, os pensamentos, os sentimentos... Não é o frio que me gela, é o medo,
o receio de estar vivo, o desespero de acordar para viver o mesmo dia outra e
outra vez. Falta-me o saber, o poder e por vezes o querer confesso. Ainda
acredito na possibilidade de retroceder, continuo a esforçar-me para me ir
movimentando, mas começo a ficar cansado, o ar rarefeito nada ajuda, os pingos minúsculos
de água entram-me pelo nariz e alojam-se no cérebro, estão a gelar-me por
dentro. Aos poucos sinto o coração a desacelerar, e a vontade de o contrariar a
diminuir, estou a deixar-me ir, estou a gelar! Ajudem-me se me virem por aí
gelado…
9.9.15
Bandeira negra
Desisto!
Rendo-me à imbecilidade generalizada por desgraçados desprovidos de neurónios
ou sinapses suficientes que os liguem de forma a funcionar devidamente.
Chateia-me a desinformação e incomoda-me a carneirada guiada pelo encaracolado pelo
dos seus semelhantes. Gostava que parassem todos para pensar, mas não estão cá
para me agradar, não o façam forçadamente. Eu desisto. Desisto de vos tentar
compreender, desisto de tentar encontrar lógica nas razões que me tentam
mostrar, desisto de tentar perceber toda a desinformação que me rodeia. Ergo
assim uma bandeira negra, não negra como o futuro que preveem, mas negra como a
vossa alma, o vosso interior e a vossa vontade. Ergo uma bandeira negra de
rendição como sinal do luto, de desistência e de incomodo pelo caralho da
desinformação generalizada…
28.6.15
Inércia
É
a inércia que culpo. É a característica que todos os calhaus têm, sou mais um
inerte. Não tenho vontade, não tenho energia, não tenho capacidade, não tenho
apetite. Perdi tudo isto num bolso roto das calças de usar à semana, perdi
porque tive preguiça de o coser, tive preguiça de pedir que mo cosessem. E a
quem culpo? Culpo a inércia por se ter apoderado de mim. Bebi-lhe a essência,
mordi-lhe o saber e absorveu-a o organismo espalhando-a por todo o corpo.
Tenho-a toda em mim, tenho uma dor que me aperta e tenho medo, medo do amanhã,
medo do agora, medo do que sou e do que já não fui, medo do que poderei ser
amanhã, medo do que de mim farão amanhã, medo da inércia… vai-te embora
inércia, vai-te embora inércia… vai-te embora e deixa-me ao menos escrever!
Imagem daqui
7.3.15
Sou o Noto hoje, e isso...
Sou
o Noto hoje, e isso causa o nevoeiro temido, intransponível, gélido, opaco e
gritante. O sopro travado antes vai agora quebrar um entrave tornado invisível.
Vai entrar sem soçobrar e sem indicar de onde vem. Entrará rápido devastando a demência
entranhada, banhando-te essa ideia já antiga sem temer encontrar mais entraves.
Rodopiando, o mundo inteiro navega atrás de um sonho, de um sopro, de um vento…
É o Noto que vos baralha e vos distorce a verdade. É o Noto… E eu, sou o Noto
hoje, e isso…
23.2.15
Não sei o que é
Vejo-a
crescer e ainda mal acredito. Ainda não caiu a ficha. Não me sinto ansioso,
vejo apenas as mudanças que à minha volta vão acontecendo. Uma chupeta, um babygro,
uma babete… Será tudo isto real? Palpável é. São muito ténues as mudanças que
mais noto, porém algo me cresce no peito, não consigo identificar o que é.
Assemelho a um fogo, um ardor, é forte mas não dói. Está a preencher um espaço
que sempre esteve vazio. Olho-me ao espelho, brilham os olhos no reflexo,
talvez a barba cerrada ajude, mas é um brilho diferente, como quem se sente
orgulhoso mesmo sem se aperceber. Não me controlo, não controlo as emoções e o
que sinto, não mando em mim, cresce cá dentro novamente uma réstia de
inspiração para dedilhar o teclado num emaranhado de letras. O que está a
acontecer comigo? De onde vem tudo isto? Há uma nova força, uma nova energia,
um novo querer! É-me tudo tão estranho… Vou ser pai, e apesar de tudo isto não
acredito! Não acredito! Sim, tudo isto foi escrito com um sorriso e não, não
sei de onde ele vem… Vou mesmo ser pai…
21.10.14
Distúrbio de letras
Saudade
do sossego, de ouvir o silêncio e de o perceber a cada pausa. Saudade da paz
interior que antes me explodia pelo poros, saudade da calma, saudade de sentir
o bater do coração e saudade de ter tempo para o escutar simplesmente a bater
sem que nada nem ninguém lhe peça para tal. Saudade de reparar em nada, saudade
de deixar fugir o que tudo parecia sem que isso ganhe mais importância que a
que realmente tem… nenhuma. Saudade de não pensar no amanhã, no logo, no daqui
a pouco. Saudade de sentir o frio roer-me os ossos, de sentir o vento gelar-me
a cara. Saudade dos gritos mudos que apenas os surdos compreendem, ninguém
melhor que eles para lerem os olhos. Esses não mentem, brilham… Brilham.
Saudades do brilho, do sorriso e da felicidade ligeira. Saudade da despreocupação
e da falta de objetivos. Saudade de navegar à deriva ao invés de à bolina. Saudade
de escrever e não ter tema, saudade de desencaixar o subconsciente e de sair de
dentro de mim. Saudade de não saber quem sou, saudade de não ter futuro,
saudade de não ser, saudade de não viver… Saudade de não sentir saudade.
27.8.14
Seu parvo!
Existirá
uma meta? Será que corremos numa maratona sem fim? Valerá a pena o esforço, o
suor, as lágrimas, as dores? Apetece-me parar, sentar-me, cruzar as pernas e
calmamente ver os outros passar, dar-lhes força para que continuem sempre na
procura do que eu deixei de crer que exista, o cruzar da meta, o momento de
glória dos que finalizam não interessa o lugar, a felicidade de lá chegar, o
sentimento de realização que tão bem nos faz ao ego. “Que parvos!” – exclamaria
eu. “Isto é apenas um círculo! Corram seus parvos, corram cada vez mais!” e
ficaria só, seria motivo de chacota, seria o parvo que nada busca, o que
deambula, o que não sai da cepa torta. Mas não será isso que eu sou? Porque
corro afinal se nada muda? “Isto é um circulo seu parvo! Mas corre, corre que
um dia… vais voltar aqui outra vez. Seu parvo!”
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