- Desaparece!
- Ora viva para ti também… ainda agora cheguei e já me mandas embora?
- Já estás aqui à tempo a mais. Desaparece!
- Porque choras?
- Não estou a chorar… Desaparece!
- Claro que não estás a chorar, isso é só suor a escorrer-te pela cara abaixo… Até está calor e tudo! E tu queres que eu desapareça para onde? Eu não existo, eu não estou aqui, não sou vivo nem morto, sou inspiração, sou criatividade, sou tu, nada mais. Se queres que eu desapareça faz por isso, deita-me fora, esquece que existo. Não precisas de mim para nada, a fama é tua, escreve o que te apetece, vá força. Tens essa folha branca à tua frente desde quando? Não consegues escrever uma palavra só? Não tens confiança?
- Sai daqui senão…
- Senão o quê? Bates-me? Expulsas-me? Tu nem sequer sabes se faço parte do teu lado consciente ou do teu lado inconsciente. Eu não tenho rosto, não tenho alma, não tenho nem sou nada.
- Quando mais precisei de ti abandonaste-me, deixaste-me pendurado e viraste-me as costas quando me entalaram entre a espada e a parede.
- Tu já és suficientemente crescidinho para resolveres os teus problemas. Não escreveste um livro por tua conta e risco? Pediste-me opinião, precisas-te de mim para alguma coisa?
- Sabes muito bem que não o escrevi sozinho, e sabes ainda melhor do que preciso.
- Só o saberei se me disseres, tal como não sei porque não fizeste o lançamento do livro, muitos te deram a ideia e pediram, te elogiaram…
- Eles não sabem nada… Como ia explicar que o nome impresso na contracapa não é o verdadeiro autor daqueles textos. Como ia explicar que te tenho dentro de mim? Eu nem sei quem tu és afinal…
- O Pessoa conseguiu…
- Mas eu não sou o Pessoa, e ele era maluco…
- E tu não és?
- Não…
- Como defines alguém que fala consigo mesmo como se fosse outra pessoa?
- Cala-te e desaparece de uma vez por todas, não quero escrever mais, chega, acabou-se o conto de fadas, eu não fui feito para isto, letras não é comigo, não tenho categoria…
- Para quem queres escrever?
- Para ela.
- Ama-la?
- Sim
- Então siga, escreve o que sentes, sê tu mesmo, mostra-lhe porque pensas nela a toda a hora.
- Não sei por onde começar, sai daqui Nemec, por favor, desaparece de uma vez por todas…
- Cala-te Rui, já não te posso ouvir, pega na caneta que vou começar a ditar…