31.8.12

80 horas em busca de um sonho

 

Há alturas na vida em que tomamos decisões sem pensarmos bem naquilo que nos acabámos de meter. Não, esta não é uma frase que demonstra arrependimento, é uma frase que quero que transporte adrenalina e a sensação de não sabermos o que vem a seguir. Em jeito de promessa disse a meio da viagem, já em Udine, que faria um relato escrito da aventura para que ficasse gravado não só em imagens, porém nem sempre as coisas correm do nosso agrado e como tal prefiro não me focar num relato tão específico, mas mais abrangente, pessoal e sobre sentimentos, daqueles que não controlámos...
Foi como se um relâmpago se tivesse dado na minha cabeça entre o “Ir até Udine era porreiro!”, o “Ir até Udine de autocarro era uma aventura” e o “Vou embarcar na aventura”. E foi assim que comprei o bilhete em direção às estrelas de fundo azul que dão milhões aos clubes. A mim pouco me importam os milhões, importa-me mais o prestígio de ver o meu Braga nesta competição, “reservada” em tempos só a alguns. Não me importei com os dias que a viagem levava, com o tempo e a longa distância, com o ir sozinho e me ter enfiado na aventura de cabeça. Não me importei, não por ser desleixado, mas por achar que quanto mais pensasse mais tendência teria de ver o jogo pela televisão que afinal até parece que nem se via em condições. Desde que comprei o bilhete, na noite de sexta-feira, até às 16h30 de domingo pouco pensei na viagem, não vivia em mim a ansiedade. Mas no momento em que pego nas mochilas e fecho a porta de casa foi como se o barulho dela bater me tivesse desbloqueado um friozinho na barriga que não mais me largou. Pelo caminho até ao ponto de partida da aventura, imaginei que mais gente tivesse perdido o juízo como eu, a verdade é que constatei que pouco mais de 60 pessoas se tornaram parceiros de viagem. Numa vista rápida pelo autocarro este parece que é dos que nunca avariam, já me sinto mais confiante. Embarcámos então rumo a Este. Muitos parceiros têm 2 bancos à sua mercê, eu para já tenho um companheiro de viagem. Ainda as curvas não iam em dez, e a música do cd dos Red Boys não tinha ultrapassado a primeira faixa e fui tomado de assalto, como se de um susto se tratasse, pelo pensamento “A Itália não é já ali a seguir a Aveiro ou a Coimbra… Eu nunca andei tanto tempo de autocarro! No que me fui eu meter!” A verdade é que quando me lembrei que ia ver o Braga, o meu Braga, tudo isto me pareceu apenas um pequeno pormenor, apenas um detalhe, e a vida é feita de detalhes… Ao contrário de outras viagens em que se fala sobre tudo, se ri sobre cada piada e se cantam as músicas do Braga sem que fiquemos exaustos, nesta viagem, ainda antes da paragem para jantar os temas de conversa começavam-se a esgotar, as piadas já se repetiam e as músicas já se entoavam ao pensamento do “Outra vez?”. Era já noite portanto quando parámos para jantar, algures numa área de serviço em Espanha, já se tinham adiantado os relógios, não tanto como o do autocarro que teimosamente se manteve 12 horas adiantado, ou atrasado, toda a viagem. Foi portanto a altura certa para pegar no cobertor que gentilmente me aconselharam a levar, e sentar-me no mesmo lugar. O problema é que é cedo para dormir, o filme não se consegue ler as legendas, não se conseguem ouvir as falas e parece-me chato, o que me leva à inquietação de não conseguir fazer nada e nada poder fazer para alterar isto. Pensei em pegar no mp3 para ouvir um pouco de música, mas se calhar é melhor guardar a bateria para o regresso. Acaba o filme, ou para a meio, nem sei bem que não estava com atenção e começa uma série de musicas que nada me distraem, Zé Amaro e Jorge Ferreira são dois bons exemplos que só servem para entreter o povo dos discos pedidos, perdoem-me a alfinetada. Decido então cerrar os olhos, mas não adormeço, não consigo, e nem era o barulho que me incomodava nem o bater da cabeça no vidro com o soluçar da camioneta. Era esta inquietação e de olhos fechados só consigo imaginar como será o jogo, se irei gritar até não poder mais, se conseguirei gritar o golo que todos vamos em busca, se traremos a vitória na mala, se seremos capazes de os ultrapassar, arrepio-me, volto a ficar lucido, e volta tudo ao início. A certa altura acabo por adormecer, não sei pelo que passei, sei que algo me fez acordar de súbito, talvez um sonho, desperto e não mais prego olho, atravessei a fronteira francesa a dormir. A verdade é que nem me importo porque me soube bem este pequeno descanso, preocupa-me mais esta falta de sono quando o caminho ainda nem a meio a vai. Já nada me entretém, o mp3 ajuda a desviar o pensamento do jogo, alivia a ansiedade, mas não me adormece. Chega a luz do dia, o pequeno-almoço, e o sono, talvez pelo cansaço. Dizem-me entretanto que passei por uma série de cidades francesas, não faço ideia, abria os olhos a espaços só para confirmar que continuávamos a andar, mas queria continuar a dormir, era a única coisa que me sossegava. E a dormir cheguei ao Mónaco. Cheguei pelo menos a um alto onde vislumbro lá no fundo o Mónaco a banhar-se em águas Mediterrâneas. Também eu me banhava se lá chegasse. Almoça-se o que se trouxe de farnel e parte-se rumo a Itália. Entre o Mónaco e a cidade de Génova existem tantos túneis que se a cada túnel perdêssemos um passageiro o autocarro ficaria vazio antes do fim, impressionante! Mas o mais importante, no meio de tanto túnel, era realmente a placa que indicava que estamos finalmente em terras italianas. Não sei que mosca me mordeu, mas voltei a adormecer até perto de Milão, onde voltamos a parar. Daí em diante, esperava eu e toda a gente, uma jornada até Brescia, a verdade é que fomos para Bergamo, e em vez do Hotel Plaza, fomos também para o 4 estrelas Hotel Palace. Hotel este que tinha mais estrelas do que empregados e não me pareceram a mim bem encarados, se calhar tiveram um mau dia, acontece a todos. Fico então alojado num quarto com 3 camas (só disse isto porque percebi mais tarde que houve quem tivesse de dividir a mesma cama com outra pessoa e não eram um casal, nem eram irmãos, eram amigos e assim ficaram). Depois de um banho que me traz vida, vem a massa, as febras e as batatas fritas regadas com água Flávia. Não é nenhum manjar, contava com melhor confesso, mas dá para tapar o buraco no estômago. O calor da noite convida a uma caminhada a pé, há quem prefira um viagem de táxi até Milão, eu, após analisar o ambiente em volta do hotel, sem pisar o passeio além do portão, decido ficar pelo meu quarto. A zona não inspira confiança, e a correria e movimentações de carros ao sinal de luzes de telemóvel não me agrada. Sei o que andam a fazer mas nem me interessa divulgar. Ligo a televisão, estico-me ao comprido na cama do meio (porque no meio é que está a virtude e porque era a única cama de frente para a televisão) e adormeço, nem me lembro de ter carregado 3 vezes para mudar de canal, já só me acordou o despertador! No fim do pequeno-almoço ruma-se à cidade que afinal nos trouxe cá, Udine! É sob escolta policial que viajámos da saída da autoestrada até à estação de caminho-de-ferro, bem no centro de Udine, porém, um mal entendido (ou 2, ou 3, não interessa) levou-nos até ao parque de estacionamento, ainda vazio, do Stadio Friuli com a promessa que após almoço um autocarro, que não o que nos trouxe até cá (teria de ficar parado durante 9 horas), nos levaria de volta até ao centro da cidade e nos transportava de volta à hora do jogo nos cerca de 5 km que nos separam. Assim sendo almoça-se por aqui uma bela de uma pizza, num restaurante indicado pela policia, e volta-se para perto do estádio. Dou comigo a encarar o estádio por fora e a imaginar o seu ambiente mais logo, lá dentro. Enquanto o autocarro não chega aproveito para comprar mais um cachecol alusivo ao jogo para a minha coleção na loja oficial da Udinese, onde a policia não me queria deixar ir, por estar equipado à Braga e poder haver problemas mas após alguma insistência lá cedeu. Volto da loja e percebo que a história do autocarro é afinal uma ilusão. Ficar aqui a penar entre um estádio fechado, um parque de estacionamento vazio e a sombra de um muro do quartel do exército não é solução, portanto, venha de lá um táxi que nos leve até ao centro de Udine! Por entre fotos, esplanadas, praças, policias em cada esquina e adeptos que gritam o nome da cidade ou do clube local, lá se mata o tempo, hora de voltar para perto da estação, sempre debaixo de uma escolta (ainda que bem disfarçada) por parte da policia. Por aqui se janta e se enche um autocarro de gente vestida de vermelho e branco em direção ao estádio. No meio de tantos cânticos nem dei pela viagem. Chegados ao parque de estacionamento, já bem mais composto, cresce em mim a incerteza de aguentar todo este ânimo e boa disposição. Fará sentido sair daqui derrotado? Poderão as coisas correr verdadeiramente mal? Perguntas a mais para uma cabeça que dói, um coração que se aperta e uma calma que não se encontra… Sou dos primeiros a entrar no estádio, contemplo a imensidão de cada bancada, por enquanto deserta, mas que aos poucos se vai enchendo. Percebo que somos uma insignificância nesta imensidão às listas pretas e brancas, mas o olho atento do Beto que ao acenar no aquecimento mostrou que nos viu e com certeza sentiu, fez-me pensar que só tinha era de gritar e apoiar como um desalmado, e assim fiz, vêm as equipas para o aquecimento e mostrámos que temos vozes para aguentar com tudo e todos, não somos 100, mas temos o poder na voz de cada Braguista que não viajou. Do jogo pouco há para falar. Destaco apenas a vontade com que todos cantámos, com que todos apoiámos, e com que todos sofremos. E quando digo todos é mesmo todos… Arrepiaram-se os corpos ao som do hino, verteram-se lágrimas no golo sofrido, gritou-se com desespero a cada bola que não entrou, suspirou-se de alivio a cada corte da nossa defesa, festejou-se como um golo a cada defesa do Beto, explodimos com o golo do Rúben, e impacientemente desesperamos pelos penaltis. Sei que é muito fácil falar agora, mas a verdade, é que quando o árbitro terminou o prolongamento, algo dentro de mim me dizia para confiar no guarda-redes. Esse sentimento foi aumentando a cada lado que ele adivinhava e que aos meus olhos pareciam uma quase defesa. E ela surgiu, e eu de mãos bem abertas bati nas costas das cadeiras em frente, e gritei, não faço ideia do que gritei, estava fora de mim, estava louco… No último penalti, aos meus olhos, o guarda-redes da Udinese duplicou o tamanho e a baliza encolheu para um terço, mas assim que vi o guarda-redes cair, percebi que o Rúben tinha encontrado o buraco da agulha, corri como um louco para os braços de quem estava mais perto, cerrei os punhos até me doer, gritei até não ter mais forças, senti as pancadas nas costas de umas mãos cheias de felicidade, vi lágrimas de alegria escorrerem dos meus irmãos de viagem, vi tudo e não consigo descrever nada… A maior palavra será sempre pequena demais para que nela caiba cada sorriso, cada abraço, cada lágrima, cada sentimento… Estamos na Champions, estamos todos lá e desejei nesse exato momento, quando tinha os jogadores à minha frente agarrados à rede do fosso que nos separava, poder ter ali o meu pai, a minha namorada e o parceiro de todas as viagens para que comigo festejassem, mas não tinha, e a lágrima que pelo meio da barba enorme se perdeu talvez se devesse a isso, à falta do abraço que ninguém poderia substituir. Recolheu a equipa ao balneário com mais de metade o Stadio Friuli a aplaudir em pé estes enorme Gverreiros. Recolhemos nós ao parque de estacionamento onde entre felicitações, aplausos, e trocas de cachecóis se passou algum tempo em que ainda mal acreditávamos que estávamos na Champions League. Do regresso a Braga nada tenho para contar, apenas que imaginei a festa que iria pelas ruas da minha bela cidade e no aeroporto onde chegou esta fantástica equipa. A mim resta-me sonhar, ainda falta muito caminho pela frente, ninguém me irá receber como herói, e não havendo uma foto de grupo que esteja completa, guardarei para mim a imagem de cada parceiro de viagem, pois cada um deles lutou como eu, uma luta desigual de apoio incondicional ao nosso clube, sem baixar os braços, sem deixar de acreditar… Um dia depois pergunto-me se faz sentido percorrer milhares de quilómetros, durante aproximadamente 50 horas num autocarro, para ver 2 horas de futebol. A resposta é sim, claro que vale a pena, pelo Braga vale sempre tudo a pena. Sim sou louco, mas eu gosto…

10.8.12

Chegou o dia


Falta pouco, falta mesmo muito pouco. O dia por mim mais aguardado dos últimos meses chegou. Chamem-me egoísta, chamem-me doido, não me importo, esperei pelo dia de hoje com a mesma impaciência que um menino para abrir os presentes de Natal. Tal como eu sei que a muitos mais lhes vai custar a passar a noite. Chamam-lhes os Gverreiros. Os sonhos, os cheiros, as sensações, as lembranças, os arrepios… ai os arrepios. Tudo começa aqui. Relembro os tempos vividos entre estádios, cânticos, golos, bolas na trave, nervos à flor da pele, gritos de paixão, juras de amor, promessas para uma vida, promessas a que não quero faltar. Quero dizer “eu estive lá, eu vivi, eu vibrei e eu chorei!” Tudo começa aqui, tudo começa hoje, vou cerrar os punhos com os meus irmãos de armas e gritar Braga, somos Gverreiros, não só de nome. Somos Gverreiros de corpo e alma, lutámos, caímos e renascemos cada vez mais fortes… Nós somos o Braga! Não são as bolas que beijam suavemente a rede, como quem acaricia uma flor, que nos levam ao estádio. É toda a ambição, toda a crença e toda a vontade que partilhámos desde a bancada com quem está dentro do campo. O Braga somos nós os adeptos, e o futebol é nosso, ninguém jamais o comprará, porque sentimentos não se compram. Ninguém me poderá tirar o frio na barriga antes de cada jogo, a dor de estômago até ao apito inicial, o cerrar dos punhos, o morder dos lábios, os gritos mudos, os “AAAAAAHHHHHH” e a explosão de alegria a cada golo, o sorriso rasgado a cada vitória e a lágrima marota a cada conquista. Ninguém me vai tirar o prazer de fazer quilómetros pelo meu Braga, ninguém me vai roubar o que guardo cá dentro, nem mesmo que a lágrima seja de dor, porque o desconforto que ela provoca será afagado e partilhado pelo parceiro do lado, tornando-nos ainda mais fortes. Deveria estar a dormir, talvez esteja a divagar demais, mas a verdade é que não me apetece, não consigo controlar esta ansiedade, apetecia-me mesmo era acampar junto a uma das portas cinzentas que me levarão ao céu, ao meu céu, onde eu me sinto melhor e onde eu me sinto cada vez mais vivo…
Chegou o dia, o dia  em que mais uma vez prometo nunca te deixar sozinho…