Fecho
os olhos e respiro o escuro que me envolve. Inspiro lentamente enquanto obrigo
o coração a parar de bater aos poucos. Já nem resiste, perdeu a autonomia e a
força de vontade. Ou terei sido eu? Parou de bater. Desligo-me da vida, e
encarno num outro que não é de pele e osso. Um outro sem medos, sem perguntas,
sem anseios e preocupações. Um outro sem vida, um outro morto chamemos-lhe assim.
Um morto, mas não um peso morto, um morto que voa, e que sonha, mesmo que isso
não faça sentido, porque não podemos sonhar se não pudermos lutar pelos sonhos.
Fisicamente não me consigo ver porque mantenho os olhos fechados, não me posso
descrever, sei apenas que voo e não sei como é este mundo, mas imagino-o
escuro, frio, triste e só. Imagino-o assim porque não existe aqui nenhum outro
morto além de mim. Apesar de tudo, é aqui que me sinto sossegado. A mordaça
faz-me lembrar o quão bom é nada ter para dizer, o quão bom é o silêncio que irrompe
pelos ouvidos doridos. A falta de toque, a falta de cheiro, a falta de
sensações e de emoções… ah quem bom que é! Que bom seria ficar aqui para sempre,
ser simplesmente um outro morto!