20.1.09

Para sempre




Nem sempre conseguimos sentir o aproximar silencioso e repentino de uma má noticia, cujo único objectivo é abalar-nos e testar-nos levando-nos até aos limites mais extremos da nosso sentir! Podemos ser os mais fortes física e psicologicamente que quando ela chega provoca na mesma uma dor que nos mói e não somos capazes de apaziguar! Ao longo dos últimos 14 anos aprendi a viver com alguém que era “diferente”, alguém que desde à muito deixou de poder responder por todos os seus actos. Por ser diferente era humilhado por muita gente ainda que mais nova, e vendo-se ele fechado num mundo tão próprio onde via mais costas voltadas que mãos esticadas caiu nas mãos de um vício que lhe fez encolher todas as mãos à excepção de uma que o agarrou firmemente e o puxou para fora do vício que afogavas as intermináveis mágoas. Uma mão que o amou, que lutou por ele e com ele contra as adversidades, uma mão que o mudou, que o tornou numa pessoa que nunca antes tinha sido, porque apesar de diferente continuava a ser uma pessoa merecedora de todo o respeito pois deixara de faltar ao respeito aos outros, uma mão que lhe devolveu um sorriso! Não foi fácil levar para casa mais uma pessoa com o intuito de mudar, principalmente se ela não quer ser mudada, dividir o quarto com alguém que até então dormia só e não mais ter uma noite seguida de sono mas antes de sobressaltos e sustos. É de louvar o gesto feito a troco de nada, ainda que muitos continuem a achar que não, mas nunca lhe deitaram a mão por saberem que iria ser assim, ajudar sem recompensa financeira era esse o contracto celebrado com a consciência! Catorze anos são uma vida, e quando é vivida ao lado de alguém que precisa de nós habituamo-nos a ela e sentimos que temos um dever a cumprir, passa-mos a levar um pouco dela sempre connosco, partilha-mos sorrisos, tristezas e dores, curamos feridas e olhava-mos para trás com orgulho pela mudança feita! Nada me levava a crer que tudo isto teria um fim tão próximo. Ainda entusiasmado pela neve que tinha caído durante o dia cheguei a casa e em vez de contar a novidade recebi outra, fui vê-lo deitado na cama a sangrar pela boca. Pensei que fosse devido à fragilidade dos dentes e decidi levá-lo ao dentista a fim de ser tratado. Já no dentista e enquanto esperava-mos pela vez tentava-mos que se mantivesse quieto e a fazer pressão por onde brotava sangue, mas a curiosidade fazia-o sempre querer ver o pano já totalmente ensanguentado e não mostrando qualquer tipo de dor sorriu e piscou um olho como se nos quisesse acalmar e quisesse despedir com uma imagem ainda alegre dele, depois de extraído o dente não mais o sangue parou e a imagem dele sentado a escorrer cada vez mais sangue a ficar pálido e a tremer enquanto eu lhe segurava no pano a tentar estancar o sangue e enquanto o INEM se recusava a enviar uma ambulância em auxilio não quero mais guardar, tal como a ultima vez que o vi ainda vivo, sentado no cadeira de rodas e a entrar pela triagem do hospital! Ainda assim não acreditava que algo fosse correr mal, pensava que seria só coser e estava como novo. Já era sábado quando fui buscar a minha mãe que o acompanhou no hospital, não consigo descrever o que senti quando a minha mãe sentada na sala de espera me abraça com força e me diz que ele tinha de ir de manhã cedo para o porto pois tinha um cancro galopante no sangue! Não consegui imaginar o que seria isso, tive medo de procurar saber e continuei a pensar que o tratamento devido o iria salvar! Rezei durante a noite para que me pudesse despedir e pudesse dizer o que sentia por ele! Ainda antes do almoço de sábado recebi uma mensagem do meu pai com apenas três palavras que me retiravam toda essa possibilidade, por não ter sido capaz de o dizer escreveu apenas “o tio faleceu”! Senti vontade de gritar até rebentar as artérias, senti vontade de ser fraco e chorar como uma criança pequena, senti vontade que tudo fosse mentira, mas não era e eu senti uma força que não era minha e aguentei-me, tornei-me forte e não mostrei parte fraca em frente de ninguém para não piorar tudo, pois sei que era isso que ele desejava de mim. Apesar de tudo ter feito para o salvar e por não me ter conseguido despedir dele, senti que tinha obrigação de lhe prestar uma última homenagem, e carreguei-o a força de braços até à sua última morada. Continuo a sentir uma dor enorme no peito como se de uma facada se tratasse a cada passo que dou e me lembro dele, faz-me falta a presença dele, faz-me falta perguntar por ele, agora restam apenas as lembranças, as lágrimas de alegria por gestos simples que lhe fizemos, a palavras características que ele dizia, os momentos únicos que passamos e o sorriso e o piscar de olho no dentista, pois é essa a última imagem que quero guardar dele... A tua marca ficará para sempre em mim como uma lição de vida, pois até na hora da despedida não quiseste preocupar nem dar trabalho a ninguém, obrigado tio Zé!

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