17.12.15

A história da árvore



- Vou contar-te uma história. Queres ouvir? Não respondes… Já não tens paciência para me ouvir provavelmente, ou talvez eu já nem me faça ouvir, talvez seja apenas um homem louco que acha que os outros fazem ouvidos moucos e talvez seja eu quem emudeceu. Ainda aí estás? Não interessa vou contar-te na mesma a história da minha árvore.  Foi com o vento que veio, ainda em semente, e misturada com a poeira levantada ao longe, não se sabe de onde terá vindo, o vento é traiçoeiro e não se pode acreditar nele, por isso nunca lhe perguntei, para não ser enganado. Os pingos grossos de chuva que se foram entranhando na terra, ajudaram a tornar o piso lamacento. Prenderam a semente e hidrataram-na. Foi crescendo um fino e frágil caule. Com o tempo foi crescendo, protegido por mim e por outros em meu redor. Sobreviveu a tempestades ainda novo, foi crescendo, engrossando, o caule passou a tronco grosso, nasceram ramos e folhas, cravaram-se fortemente as raízes no chão. Ficou uma bela árvore. Serviu de suporte para um baloiço improvisado que terá feito uma criança muito feliz certamente. Suportou uma cama de rede, e embalou quem nela se deitou, sobreviveu a um incêndio. Acima de tudo era a minha árvore, porque era a árvore com quem eu falava. Encostava-me a ela ou sentava-me no seu pé e conversava com ela. Tenho a certeza que me ouvia, apesar de não vociferar nada, sentia que ela me ouvia e respondia. Um dia ceifaram-na 20 cm acima da raiz. Levaram o tronco, os ramos, as folhas, os ninhos e todas as minhas conversas com a árvore. As minha alegrias, as minhas tristezas, os meus sentimentos... Mataram a minha árvore, e com ela desapareceu tudo, nunca mais haverá árvore igual... - dizia-me o velho enquanto dedilhava a morte entre os dedos. O silêncio tomou conta do ambiente, e eu percebi que a história afinal não era de nenhuma árvore. Tarde demais para lhe perguntar, já não me responde. Terá mesmo contado a história antes de morrer, ou estarei eu a ficar louco por ter imaginado que o velho mudo falou comigo mesmo antes de morrer?

14.12.15

Máquina do tempo


É impossível reviver o mesmo dia, recomeçar. A mesma segunda-feira de novo, nada volta atrás, nem mesmo o tempo. A vontade de desligar a meio do dia, sair sem gravar, recomeçar, como se fosse um nível difícil de um qualquer jogo de plataformas, esbarra na possibilidade de poder acontecer. Invento na minha cabeça uma máquina do tempo, imagino-a sem luzes, negra, vazia. Funciona com as vontades dos outros, meto-me dentro, espero que alguém forneça a vontade necessária para que se ligue e me leve, não para o início do dia de hoje, mas para uma qualquer data, anterior ou posterior. Fico em pé porque não imaginei o assento, mas também porque imagino que as vontades dos outros sejam suficientemente fortes para que a espera não se torne longa. Espero pacientemente, sem pensar em nada, de olhos fechados, respiro lentamente a calma que me envolve no meu mundo, na minha capsula, na minha máquina do tempo… Aguardo as vossas vontades…