19.10.09

Duas flores, uma pedra e um monólogo


Deixei que toda a cidade recolhesse, cada qual num aconchego que pode, e sai do meu. Fartei-me de ver paredes pintadas de branco a toda volta e de pensamentos negros que criavam um mundo a duas cores. Em passos curtos e lentos, olhando o chão como quem procura o que sabe que não vai encontrar, deixei que me guiasse o inconsciente para onde lhe tinha pedido. Voltei a sentar-me na mesma pedra de pernas cruzadas à chinês, como se me quisesse sentir uma criança que nunca quis deixar de ser. Preguei o olhar no luar distante, deixei-me embalar pelo vento que aos poucos me apaga à chama que me aquece por dentro, e tentei não pensar em nada. Não quis incomodar as flores que me rodeiam com conversas de fazer correr lágrimas, nem quis disfarçar com um mentiroso sorriso a tristeza que mesmo sem a querer, guardo. Há muito que tinha sentido que não estava só, mas não tive força nem coragem para esboçar a mais pequena palavra. Elas aperceberam-se e deixaram-se simplesmente ficar ali a meu lado, como quem sofre a dor dos outros para a tentar serenar. Deixei-me aproveitar o momento que tão bem me estava a fazer, e aos poucos lá fui abrindo a boca, dando voz ao que a mente bordava num monólogo que ia desenrolando o novelo. “É nos pequenos gestos que me vou apoiando, a falta deles nos últimos tempos fez-me dar uma importância ainda mais elevada, a uma simples palavra, a um simples olá, a um sentido obrigado, e a cada gesto desses é plantado um estímulo que me vai acelerando o bombeador de sangue e me vai mantendo de olhos abertos. Se há quem me ache parvo por agradecer os simples gestos do dia-a-dia, eu acho-os parvos por nunca terem sentido falta de quem os diga. Não peço que me enxuguem as lágrimas se as virem cair, nem que me atrelem só porque sim, apenas quero voltar a sorrir por viver, voltar a habituar-me e relembrar como é ter amigos, voltar a distinguir os sentimentos que se atropelam todos os dias cá dentro e não voltar a dizer coisas que magoam os ouvidos e a alma que as palavras atingem. Quero só saber o que sinto, e não quero mais sentir a ansiedade nem o desespero de cada vez que me confundo por não saber mais... Quero apenas continuar a mimar-vos e a ajudar-vos, só porque me sinto bem, não preciso receber nada em troca, porque é assim que me sinto feliz, a cuidar de vocês sem me querer fazer passar por vosso parente chegado, quero continuar a fazer de tudo para que não vos derrube o Outono e para que o Inverno não vos magoe, e quero que se um dia tiverem de se afastar de mim, que não vos roa a consciência e que sigam em frente com toda força do Mundo, porque no meu pensamento e no peito ficarão sempre guardadas. E se alguém vos perguntar o que vos disse, respondam que foram oito letras em três palavras, e se estou a pedir muito então quero só que me deixem voltar a sentar nesta mesma pedra e relembrar os dias em que cá estavam duas flores...”

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