Embala-me o piano, em batidas leves que
fortemente me tocam no coração dorido. Prendo a lágrima com algemas e deito
fora a chave. Dói-me a garganta de um nó que não desata e aperto a língua contra
o céu da boca, faço força, cerro os punhos, dói-me, não me queixo… É a única vez
no dia em que o consigo fazer. As pernas geladas não me bloqueiam o pensamento,
mas antes o fizessem. Para que buraco fundo vou eu outra vez? Gosto do embalo
que me dá o piano, gosto das notas que me obrigam o corpo a reagir, mas não
gosto da dor que hoje me trazem, não gosto da fúria e da raiva que tenho hoje
comigo. A voz que acompanha o piano traz-me o desalento, a vontade de desistir,
a vontade de ficar parado, olhar a lua, sentir o frio roer-me os ossos,
perder-me na imaginação de não pensar em nada, voltar a ser criança, reaprender
a rimar… Oiço até à exaustão. Não tenho vontade de fazer nada, por isso espero…
Espero que alguém me encontre e sei que me vão encontrar. Não estou escondido,
estou só quieto, mas continuo aqui, à espera, contando até três, porque quero ser
feliz. É assim que ela canta, é assim que eu oiço, é assim que me dói e é assim
que eu não choro.
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