Após
algum descanso nos desconfortáveis bancos do aeroporto, está aberto o chek-in e
deslocamo-nos para lá, somo os primeiros a fazer chek-in, ou pelo menos a
tentar. Na entrada da fila estão dois senhores que nos pedem os passaportes e
os bilhetes, formalismos pensei eu. Na verdade não, os tais senhores tinham uma
lista do voo onde chegamos e nessa lista não constava nenhuma mala das nossas.
Estranharam portanto como não tínhamos nós nenhuma mala no outro voo e agora
temos 4, uma cada um. Explicamos que deve haver algum engano, chamam um
responsável da segurança e entretanto estranham o bilhete do voo ter data de
compra de ontem, acham impossível! Bolas em que Mundo vivem vocês? Em Delhi há
internet! Após a chegada do responsável pela segurança, que por sinal não era
Indiano, tudo ficou resolvido e lá podemos fazer o chek-in. Não sem antes nos
terem tirado os passaportes para colocar uma etiqueta muito importante na parte
de trás do passaporte… Que companhia aérea tão estranha esta… Desta vez não
houve qualquer problema na fronteira, o friozinho na barriga passou bastante
rápido. Sinto-me bem, relaxado, feliz por voltar e até consigo adormecer por
breves instantes num dos cadeirões do aeroporto. Nem a senhora que teimosamente
pede para não nos esquecermos das malas me conseguiu acordar. Lá começamos a embarcar e percebo
agora que a etiqueta no passaporte que era tão importante pode ser colocada à
entrada para o avião… De Delhi a Bruxelas foi um bom sono, talvez pelo cansaço
mas não tenho recordação quase nenhuma, apenas do pão de leite e do iogurte ao
pequeno-almoço. Aterramos em Bruxelas e pela janela parece ser neve, sim é
mesmo neve, quem diria que há umas horas esta eu de manga curta e a suar.
Aproximamo-nos de um ecrã com as partidas dos voos e verifico que todos foram
cancelados durante a noite devido à neve. Não nos conseguem dar a certeza,
ainda, de que teremos voo hoje para casa, há fortes possibilidade de ser
cancelado tal como todos os outros. Resta-me esperar por bons ventos e melhores
temperaturas. Enquanto isso distraio-me com uma loja, ou melhor, com a entrada
de uma loja. Na entrada está um pinheiro, enfeitado com bolas, fitas e luzes
intermitentes… É Natal, tinha-me esquecido que estamos tão próximos do Natal.
Sinto um conforto enorme e de repente uma esperança enorme que vou viajar hoje
para Portugal. Os limpa neves tentam a todo o custo eliminar a neve e o gelo
que se apoderou da pista. Conseguem libertar a pista, mas os voos estão
atrasados em toda a Europa. O meu também ficou atrasado, resta-me esperar. No
meio da espera, uma voz portuguesa com origem angolana junta-se a nós, é bom
poder ouvir falar português alguém que não esteve connosco nas últimas semanas.
Várias horas depois há luz verde para entrar o avião rumo a Lisboa, o único
problema poderá ser não chegar a tempo de apanhar a ligação ao Porto, uma vez
que teremos de levantar as malas e voltar a fazer o chek-in. Mas pelo menos já
estaremos em Portugal, e aí, por água terra ou mar eu hei de chegar a casa.
Chegados a Lisboa à hora de partir para o Porto parece estar tudo mal humorado.
Somos informados que o nosso voo afinal ainda não partiu pois o avião ainda nem
sequer chegou. Temos de fazer o chek-in das malas no piso inferior e seguir
para a porta de embarque. No chek-in, alguém mal disposto diz-me que não pode
embarcar as malas porque já fechou o avião e é impossível, abria a exceção para
uma mala, mas para 4 é impossível. Como fechou o avião se ele ainda não chegou?
Lá fez a chamada devida e afinal pode despachar as 4 malas e quantas mais
houvesse, mas no fim de fazer o serviço que lhe compete proferiu “Mas foi por
favor!”, olhei-o com reprovação e formulei na garganta uma pergunta “Quer uma
gorjeta ou um par de estalos?”. Felizmente não disse nada, virei costas e corri
porque tenho um avião para apanhar… a espera foi maior que a viagem até ao
Porto. A viagem em si é como subir e descer um monte, nem cheguei a passar pelas
brasas. Talvez a excitação de estar a regressar a casa também não deixasse. Sou
o último a ser deixado pelo táxi, corro para casa, não consigo esconder o
sorriso de satisfação, abraço a minha Joaninha com força, e solto uma lágrima
que deixo para quem acaba de ler a definição do que será…
7.12.12
6.12.12
Diario da India III - Dia 33
Hoje
é dia de partir. A mala cheia de roupa suja está feita e eu acordo mais cedo
que o normal. Vou cortar a barba. Tarefa difícil visto que já tive o cabelo bem
mais pequeno do que tenho agora a barba. Longos minutos depois lá consigo
acabar a tarefa, nem pareço o mesmo, não sei se pela falta da barba se pelo
sorriso estampado na cara. O clima por estes lados não está o melhor. E
não falo do clima ambiental, falo das relações entre as pessoas. Notei nos
últimos dias uma agressividade não natural e não normal nos indianos. Estão
contra a nossa ida e têm feito tudo para que ela não se realize. Não temos
ainda um carro que nos leve ao aeroporto, e os indianos passam a manhã toda a inventar
pieguices do tamanho da minha barba hoje para nos atrasarem ao ponto de não
conseguirmos viajar. Um deles, inocentemente, diz-me que ficaria feliz se eu
perdesse o avião. Por momentos ganhei-lhe uma raiva enorme, mas preferi pensar
que a barreira linguística o impedia de me dizer que gostou foi do tempo que
por ca passei e o que lhe ensinei e que ria mais tempo… De entre as pieguices,
obrigaram-me, de roupa limpa e preparado para ir para o aeroporto a entrar no
recinto da fábrica e subir a um escadote manco para fechar um porta de um
armário com um LCD dentro. Insistiam que não a sabiam fechar, mas pelo amor de
todos os Deuses que eles têm, não sabiam rodar a porcaria de uma chaves?
Arranjem outra coisa por favor… Já com carro preparado para viajar para o
aeroporto e malas amontoadas entre a bagageira e o banco traseiro, entramos
pela última vez na casa de hóspedes para um último chá e para a despedida. Os
ânimos parecem mais calmos, mais sorrisos e mais descontração, talvez tenha
sido o chá… Nós só queremos vir embora, dizem-nos para não termos pressa, que
daqui ao aeroporto de Varanasi são só 30 minutos. Ainda assim decidimos partir
às 11h30, não queremos arriscar. Pegamos nas sandes de queijo e nas maças
gentilmente preparadas pelo cozinheiro e partimos rumo a casa. A cada portão
verde e pesado que passo sinto-me mais perto de casa e mais perto de ti. O
caminho até Varanasi é tortuoso, muitas populações, muito trânsito, muitas
pessoas, muitas vacas, alguns comboios com cerca de 50 composições, vê-se de
tudo por aqui. Um ligeiro despiste onde não estivemos envolvidos e que o
motorista acha piada, mas eu não tenho vontade nenhuma de me rir. Temos de
atravessar toda a cidade de Varanasi que é banha pelo Rio Ganges, o mítico rio
Indiano. Por momentos sinto-me realizado por poder ver o Rio Ganges, mas ao ver
a ponte que o atravessa, perco esse sentimento e sinto agora medo. Atravessámos
a ponte sem grandes percalços e chegamos a Varanasi, reparo que a meia hora que
nos falaram era errada, estamos ainda longe do aeroporto e já passa do meio
dia. Raio do indiano careca de voz estranha… Depois de ultrapassada toda a
cidade de Varanasi, depois de todo o seu trânsito caótico, das ultrapassagens
apertadas, das travagens bruscas das vistas sujas e degradadas, da pobreza
extrema e do que mais feio se pode ver no ser humano, lá chegamos ao aeroporto.
Depois do controlo feito pelo exército à entrada do aeroporto, as malas de
porão têm de passar pelo Raio X, e vá-se lá saber porquê, um funcionário do
aeroporto coloca-nos à frente de uma fila com cerca de 20 pessoas. Não percebi,
juro que não percebi… Chek-In feito, sandes de queijo no bucho, sorriso nos
lábios estamos prontos para embarcar! Após alguma espera chegou a nossa vez de
embarcar no avião “táxi” que vem de Kajuraho e tem como destino Delhi. Não
escondo a satisfação ao perceber que estou a levantar voo, parto em busca do
outro lado do Mundo, mas continuo demasiado longe, ainda assim sinto-me muito
feliz e parece que já nem sinto cansaço nenhum. Chegados
a Delhi o tempo de espera é enorme conseguimos um táxi para conhecer um pouco
mais da cidade e da cultura. O motorista decide então levar-nos a uma loja de
artigos tipicamente indianos, desde saris a elefantes de tamanho reduzido,
dentes de marfim completos e tudo mais que se possa imaginar por estas terras.
É tudo muito bonito mas o problema é que não podemos ver os artigos, pois temos
um indiano que nos persegue por toda a loja a perguntar o que queremos que ele
pode mostrar-nos e chega a dizer-nos que não nos podemos passear pela loja,
temos de comprar, as coisas na loja não estão em exposição, são para comprar e
não para ver. Ora se a minha vontade de comprar alguma coisa era pouca,
esfumou-se completamente nesse momento, e viemos embora. Pedimos para ir ao maior
centro comercial de Delhi. A viagem ainda é demorada e consigo por breves
instantes apreciar o que realmente é a India conhecida pelo ocidente. Toda esta
azafama, esta confusão e esta poluição. Um choque cultural enorme. Adorava
poder captar cada fragmento para levar comigo e poder mostrar, é-me impossível,
apenas o posso descrever com palavras. Chegamos então ao centro comercial onde
tudo está na mesma, e como tal, voltamos à mesma Pizza Hut, fomos atendidos
pelo mesmo empregado e sentamo-nos na mesma mesa. Só o pedido é que diferiu.
Que saudades de uma pizza assim! Venha outra e mais sobremesa. Que saudade de
comer algo doce, algo tão doce e tão enorme. Como era fácil de perceber,
comeram mais os olhos que a barriga, mas soube-me tão bem… Ora de voltar ao
aeroporto para apanhar o avião de regresso à Europa, de regresso à minha
Europa…
5.12.12
Diario da India III - Dia 32
Olho-me
ao espelho ao acordar. Quase não acredito no reflexo. O ar desleixado que
transpareço compara-se ao de um vagabundo. Na verdade é um pouco assim que me
sinto, poia a única vontade que tenho é a de ir embora, e o mais rapidamente
possível. Depois de ter adormecido com a dúvida sobre a partida para casa bem
presente, tento ao pequeno-almoço obter a confirmação. Sinto uma explosão de
alegria quando me garantem que amanhã entrarei num avião de volta para casa,
para minha casa, ai que saudades… O
sol parece brilhar hoje com mais alegria, ou talvez seja apenas eu e aluz que
me invade no interior. Luz essa que me irá permitir dar a certeza de quando
regresso quando ligar para casa. Porém, esta felicidade extrema tinha de ser
interrompida. “Não vamos embora amanhã, nem penses, conta com mais uma
semanita”. Preferia ter sido atropelado por um TATA passar o dia a carregar
sacos de cimento, pelo menos não me doía tanto o peito. Que se passa por estes
lado que parece que remamos cada um para um sitio diferente e
descoordenadamente? Apetecia-me bater tudo para tentar libertar a raiva,
apetecia-me desaparecer… Não quis acreditar e procurei confirmar a informação
novamente. Respondem-me que aconteça o que acontecer eu amanhã parto para
Portugal, e o que esforço era para que todos o conseguíssemos fazer. Devolve-me
um sorriso ainda que bastante leve à cara esta informação. Começo-me a
aperceber da falta de vontade de trabalhar dos Indianos e da falta de
iniciativa, dizem-me que se sentem cansados, até os entendo em parte, pois eu
também estou de rastos e muitos deles estão longe das famílias tal como eu, a
única diferença é que eles estão no país que os viu nascer, eu estou do outro
lado do mundo, sem comida decente e com os enlatados a acabar. Sento-me ao fim
da tarde enquanto vejo o pôr do sol nos montes lá no alto, é a única coisa que
me faz sentir em casa… É interrompido o momento com um telefonema em resposta à
mensagem de ontem. Amanhã vou mesmo embora! A lágrima essa é de felicidade…
4.12.12
Diario da India III - Dia 31
Há
dois dias que tenho uma marca na farta cabeleira. Com um cabelo enorme e com o
capacete enfiado na cabeça durante horas a fio, tenho uma espécie de depressão
junto à moleirinha, a barba também está cada vez maior. Que mau aspeto eu
tenho… Talvez a noite mal passada tenha ajudado! Apesar disso nem tudo são más
noticias. Hoje confirmaram-me finalmente que a partida está bem perto, dentro
de dois dias parto em direção à minha cidade. Sinto de repente uma vontade de
correr e uma energia que já não sentia há muito tempo. Ainda assim tento obter
uma certeza sobre a partida ainda maior para tentar impulsionar esta alegria a
níveis não atingidos nos últimos tempos, envio uma mensagem a pedir a
confirmação. Aguardo a resposta, aguardo e aguardo… não chega, e percebo que
não vai chegar, fico novamente com dúvidas e tento esquecê-las enquanto
adormeço…
3.12.12
Diario da India III - Dia 30
Do
lado de cá do mundo é mais difícil controlar o futuro. Sem calma, sem cabeça
fria, sem tempo e sem capacidade para que as ideias possam vir ao de cima
torna-se quase impossível tomar qualquer coisa por certo e concreto. O que
agora é verdade, não tarda a que possa tornar-se mentira. Com o tempo a
escapar-me como se o guardasse num bolso furado, querem fazer-me acreditar que
a data de partida pode ser novamente alterada… nem quero acreditar no inicio. E
nem acredito mesmo após a fase de negação. O desespero e um enorme aperto no
peito apoderam-se de mim, tremem-me as mão, mordo os lábios e as dores no
estômago não são fome de certeza. O pôr do sol não me acalma, o frio não
desperta e só penso em ti aí ao longe… para onde caminha o sol, e eu aqui, de
onde o sol já me fugiu e nem um beijo lhe mandei para te entregar. Que raiva,
que pesadelo!
2.12.12
Diario da India III - Dia 29
A
manhã começa como acabou o dia de ontem, na busca da solução para o problema,
quanto a mim, limito-me a guardar nos bolsos as poucas bolachas que ainda me
restam, para que os indianos não as comam por mim. O mp3 lembrou-se de ficar
contra mim, não o consigo por a jorrar som pelos phones. Há falta de internet,
procuro no disco externo algo para me entreter e alegrar. Sinto falta do
futebol, revejo um jogo antigo que me trouxe uma das maiores alegrias. Revejo a
meia-final da Liga Europa entre o SC Braga e o SL Benfica. Senti vontade gritar
golo de novo com o golo do Custódio, senti vontade de saltar de alegria com o
apito final. Senti vontade de me voltar a sentir alegre… Senti vontade de
regressar… Por falar em regressar, regressa hoje a companhia dos que ficaram em
Rewa. Resolve-se finalmente o problema, o sistema está pronto para os testes de
arranque e eu estou pronto para almoçar. Chegam os outros dois membros da
equipa. A tensão faz-se sentir desde início, a alteração de vozes, as frases
imperativas, os ânimos exaltados… Parece ter recuado o tempo em alguns dias, as
mesmas sensações, as mesmas dores nervosas. Apetece-me desistir, sinto raiva
suficiente para gritar a plenos pulmões que quero ir embora. Acabou o sossego…
acabou!
1.12.12
Diario da India III - Dia 28
Mais
um dia que tudo para ser igual a outro dia qualquer. É feriado em Portugal, a
última vez que goza o dia 1 de Dezembro como um feriado nacional, eu não o
farei, deste lado não há feriado. Olho-me ao espelho ao acordar, o espelho que
ocupa toda a parede devolve-me um reflexo preenchido de desalento, a água não o
afasta e a barba que me arranha já nem me incomoda. Penso em cortá-la, mas não
passa disso, um simples pensamento, não me apetece cortar a barba. A
indefinição sobre a data do regresso, está a levar-me à loucura comprovada pela
decisão de não cortar até à manhã do dia em que abandonarei a India. Com o
grosso do trabalho praticamente finalizado e o com o sistema pronto para
arrancar ou dar os primeiros passos experimentais, coordenam-se esforços na
tentativa de o realizar. Cai a noite, e a alegria pelo primeiro teste é parada
com uma bofetada pelo erro logo no primeiro passo… Falhou, há solução, mas
ainda não foi encontrada. Horas depois continuamos no mesmo pé, decido ir
jantar, pois aqui não faço nada, em pé, ao frio e à mercê dos mosquitos.
Regresso do jantar em que a comida de sempre parece entalada algures acima do
peito. Não contava que com esta falha. Levo no bolso meia dúzia de bolachas com
fruta que viajaram comigo desde Portugal, pois adivinha-se uma noite longa,
demasiado longa. Voltei apenas pela ajuda psicológica, nada mais posso fazer,
mato por isso o tempo a ouvir musica no mp3, a ouvir indianos com perguntas que
não me apetece responder e a tentar fazer um barco em papel. Tento, tento e
tento, não sai nenhum barco, apenas um avião que não pode levar daqui. Apaziguo
a dor no estômago, que não descortino se será fome ou cansaço, com umas
dentadas nas bolachas. Distribuo pelos indianos que me olham como se eu
possuísse algo de outro mundo. Provam, adoram e pedem mais. Lamento mas não
tenho mais, acabaram por hoje. Pedem-me que altere a mensagem do sistema e
substitua “Apresente cartão” por “Apresente Bolacha”. “Cookie decau” dizem
eles. Fizeram-me sorrir, ajudaram-me a passar o tempo. Regresso sozinho a meio
da noite para descansar, não foi encontrada solução ainda, começo a ficar
preocupado, mas continuo confiante, bastante confiante…
Subscrever:
Mensagens (Atom)