31.10.10

(Já) não sou poeta

Não sei de onde apareceu
Tamanho saber para pôr em escrita
O que escondo por baixo do véu
Que cobre esta mente aflita
E me faz mostrar uma paz interior,
Um sorriso na cara que nem sempre apetece,
Mas que me faz pensar ser superior
A este inverno que me arrefece.
As mãos geladas são o prenuncio
De que algo está em mudança em mim,
Um golpe infligido sem anuncio
Parece a este dom ter mostrado o fim.
Acabou-se a facilidade de versejar,
Os poemas já não fazem sentido
Não sou mais capaz de rimar
Um verso com um sentimento escondido.
Perdi a minha veia poética,
Algures na cama onde me deito,
E não quero o excerto de uma sintética
Que me fará rimar o que não sente o peito.
Há-de ela, voltar um dia
Para este corpo que me carrega alma
Que por agora não conhece alegria
Por lhe faltar o dom que a acalma.
Lá se foi o meu alento
Arrefecido pelo frio, diluído pela chuva,
Levado para longe por este vento
Que me devolve a visão turva
De uma vida que nem sempre é boa,
De um sorriso que por vezes é triste,
De um amor que também magoa
E de uma saudade que afinal existe.
Por agora não lhe encontro o jeito
De os sonhos voltar a rimar
Mas não dou valor à dor no peito,
Sei que um dia ela há-de voltar…

24.10.10

Quem és?

Voltei para um mundo
Que afinal já não é meu.
Deixei de lhe conhecer o fundo,
Conheço-lhe agora apenas o céu.
O mesmo céu que me trouxe de volta
Para junto dos velhos conhecidos
E me atirou para uma roda solta
Cheia de estranhos apetecidos.
Confundem-me as investidas
De quem antes me ignorava
Por tornar em tão repetidas
As visitas onde antes estava
Apenas eu, e o meu mundo.
Aquele que eu idolatrava
E onde nunca sequer por um segundo
Tanto desconhecido nele entrava.
Não sei que raio se passou
Se terá sido pela pequena ausência
Mas alguém aqui esteve e mudou
O mundo que era meu e a sua aparência.
De entre todos há quem me vicie,
Por ser diferente nas suas conversas
Faz com que goste e aprecie
O que me diz, e não tenha pressas
De sair para outro lugar
Onde não a consiga ter,
Pois apesar de não lhe chegar
Algo me nasce dentro do ser
Que me faz ficar colado
A quem afinal mal conheço,
Mas depois de cá ter entrado
Estranho a hora em que me despeço.

18.10.10

Diário da Índia - Dia 25

É hora de deixar a Índia para trás e partir rumo à Europa. Após a longa espera, lá se abrem as portas do que neste momento apelido de céu, e apesar de um pequeno entrave no passaporte que quase não me deixava embarcar, lá atravesso a porta rumo ao sonho e entro no boeing 747 que me vai levar até Frankfurt onde espero chegar ao amanhecer. A ânsia de voltar a ver e de abraçar os amigos que lá deixei, a família e todos os que comigo se preocuparam nestas últimas semanas faz-me sentir que esta viagem vai ser longa em todos os aspectos. Vai-me valendo o cansaço que me faz adormecer e acordar já quase a meio da viagem quando o sol começa a nascer. Entretenho-me com um filme e deixo que o resto da viagem se vá fazendo por entre as nuvens. Aterro finalmente em solo germânico e à saída do avião sinto arrepio na espinha provocado pelo 3ºC que aqui se fazem sentir. Após 3 revistas à minha pessoa e aos meus pertences lá entrei no terminal que me vai levar até casa, mas onde tenho de ficar ainda cerca de 5 horas a penar… O dia que antes estava cinzento, esta agora mais brilhante e quente e entro no ultimo avião que me leva de regresso a casa. Ainda mal consigo acreditar que vou voltar ao meu sossego, que vou voltar para junto de quem mais gosto, que vou finalmente receber aquele abraço apertado, aquele carinho que tanto desespero, aquelas palavras de conforto… Mal posso esperar… Foi talvez a viagem mais curta e a que mais tempo durou na minha cabeça, mas assim que as rodas do avião tocaram o chão apeteceu-me cerrar os punhos e gritar bem alto, não importa o quê! À chegada a casa travo uma lágrima que quer sair, abraço quem me espera e respiro de alivio. Finalmente cheguei, finalmente estou em casa… Acabou a aventura!

17.10.10

Diário da Índia - Dia 24

Hoje não deixei o despertador tocar, despertei eu primeiro que ele, a ânsia de voltar é tanta que acordei antes do tempo e levantei-me logo. Acordei o meu vizinho de quarto e apressei-me a ir tomar o pequeno-almoço. Sem saber ao certo se realmente ia-mos partir ou não, enfiei as malas no carro e fomos esperar pela resolução da reunião que iria decidir a nossa partida, ou o retardamento da mesma. É inacreditável como tão perto do fim ainda não sei se será mesmo o fim, ou apenas uma pedra no sapato dos dias que se avizinham… Temos como limite para a partida as 9h da manhã, a reunião começou às 8h30 e o meu estômago esta prestes a explodir de nervos, já não consigo controlar o abanar das pernas constante nem os suores que me percorrem o corpo… São 9h03m, acaba a reunião e a decisão é favorável à nossa partida, despedimo-nos rapidamente e metemos pés ao caminho que em 300Km nos separa do aeroporto, aquele que tem ar de uma central de camionagem. Por entre vacas, cascatas, calafrios, ultrapassagens arriscadas, carros e motas enviados à valeta, buzinadelas aqui, ali e acolá, lá chegamos ao aeroporto, agora já me consigo rir, finalmente vou embora da Índia, finalmente vou para Portugal, mas tenho ainda um longo caminho a percorrer. Ao fim de 3 horas de ter levantado voo de Kajuraho, aterramos em Delhi, e uma vez dentro do aeroporto, limitamo-nos a esperar 10 horas pelo voo atrasado uma hora que nos levaria de volta a Frankfurt durante a noite, numa jornada de cerca de 8 horas. Sem nada para fazer, tentou-se matar o tempo com algo que tapasse o buraco no estômago e principalmente a dormir, ou pelo menos a tentar…

16.10.10

Diário da Índia - Dia 23

Hoje será o último dia completo que passo cá. Por entre o registo fotográfico do trabalho cá deixado e a visita aos novos equipamentos por parte de quem mais ordena por aqui lá se foi passando a manhã. De tarde fez-se a reunião e deu-se por concluída esta fase de instalação de equipamentos. Depois de uma nova visita a Rewa para nos despedir-mos da cidade que não deixa grande saudade, foi hora de encontrar alguém que nos ofereceu uma imagem de um Deus para trazer de recordação, e à chegada à casa de hóspedes um balde de gelo se abateu sobre nós. Era já noite quando decidimos ligar a agradecer a hospitalidade num acto de cortesia. Do outro lado do telefone informam-nos que temos uma reunião marcada para amanhã às 8h30 da manhã e nem as nossas tentativas de recusa devido à forte possibilidade de perder o avião serviram para recuarem na decisão. O desalento estampou-se na minha cara e foi sem vontade que acabei de fazer a mala, o jantar ficou a meio, e não conseguia encontrar solução para contornar o problema. Liguei para casa mas não disse que afinal podia não ser feito amanhã o meu regresso. Resta-me dormir, secar as lágrimas, e esperar que amanhã as coisas se resolvam rapidamente, temos apenas 30 minutos de folga para concluir a reunião… Eu preciso ir embora!

15.10.10

Diário da Índia - Dia 22

Com o fim cada vez mais perto, os dias começam a ser menos pesados. Pesado fica apenas o tempo que teima em não passar. Olho para trás e começo a ver o que deixei feito, as aventuras que passei, as lágrimas que deixei escorrer, os choques de culturas constantes, todas as marcas que ficarão para sempre gravadas nesta vida que faço por ser minha. Falta ainda um dia de trabalho, que apesar de aqui ser feriado, eu não o vou gozar por completo. Nesta espécie de vila fechada do mundo exterior, a minha história está prestes a encontrar o fim de um capítulo, comigo vou levar as novas amizades, o carinho com que fui tratado, e as lições de vida dadas por quem pouco mais pode dar, mas que o pouco que tem, dá com todo o gosto, levo os sorrisos sinceros das crianças que me acham piada por ser diferente, por não usar bigode, por vestir de maneira diferente, por eu não os entender e eles não me entenderem a mim, por acharem que saí da televisão que eles têm em casa, mas que ainda assim não têm medo de mim, e sorriem porque são felizes com o pouco que têm. Amanhã é dia de acabar de preparar a mala e dar meia volta ao mundo em 2 dias, para ver o que de mais precioso deixei em Portugal… Até já!

14.10.10

Diário da Índia - Dia 21

Esperava um dia mais leve, mas as poucas horas dormidas fizeram-me sentir o dia a arrastar-se por entre o pó dos camiões, os pneus que rebentam levantando uma poeira comparada a uma granada e uma dor de cabeça que me deixou louco! Começa a chegara hora da despedida desta terra que tem agora a minha marca. Gostava de ajudar algumas pessoas que cá ficam, porque sinto que me deram muito apesar do nada que têm. Por vezes era o sorriso deles ou as palavras que eu não entendia e que eles a custo me quiseram ensinar que me faziam encarar o dia com outro sorriso, com outra vontade, com outro gosto. Gostava de os poder ajudar, de lhes poder agradecer, de lhes poder dar uma vida melhor, porque sem dúvida que merecem, e de certeza que não tiveram outra escolha. Amanhã será possivelmente o último dia de trabalho, talvez já mais calmo com pequenos retoques e afinações, e com o registo fotográfico para catalogar todo o trabalho aqui dispendido. A ver vamos como corre, ou se na verdade vai ser mais um que se arrasta…

13.10.10

Diário da Índia - Dia 20

E ao vigésimo dia nada mudou. Continuo cada vez mais cansado, sedento de carne, com vontade de ir para o meu país e deixar este continente que piso pela primeira vez. Cada vez me custa mais trabalhar, sinto o corpo dorido e a pedir descanso, adormeço em qualquer canto e esquina sempre que paro de trabalhar, começo agora a perceber a falta de rapidez dos indianos. Eles são assim porque não podem ser de outra maneira, quem trabalha 6 dias e meio numa semana de 7 dias tem de se poupar para aguentar. Apesar de tentar distrair o pensamento entre piadas e atitudes que me fazem tentar alterar o humor e o estado de espírito, não consigo esconder o desligar cerebral que me transporta a mente até Portugal, aos braços de quem me quer bem. Como se já não chegassem as saudades das pessoas e da comida, hoje veio ainda uma vontade imensa de conduzir… que virá amanhã? Para consolo valeu fazer os testes finais e verificar que já está tudo a funcionar, passaporte carimbado para regressar à base, está quase!

12.10.10

Diário da Índia - Dia 19

Continuo sem me habituar ao sol e ao calor. Acordo com o termómetro a marcar 32ºC e consegue rondar durante o dia os 40ºC. Eu passo o dia ao sol, e consigo até sentir a camisola a queimar-me a pele. Aqui tudo queima, as portas dos carros, as ferramentas esquecidas ao sol, os equipamentos que ando a montar, tudo o que recebe a luz do sol. A água é bebida quase sempre morna ou natural porque por muito que se tente encontrar uma sombra para a esconder ela acaba por aquecer. O meu corpo não se habitua e de cada vez que saio lá fora é como se levasse uma chapada que me tolhe o corpo e me tira toda a força, custa respirar com o calor mas custa ainda mais quando o pó do cimento faz parecer que está um dia com nevoeiro intenso. É um país diferente, uma cultura estranha para mim, onde se oferecem doces nos templos, onde andar com uma marca no centro da testa é normal e ninguém faz caso disso, onde os camiões não terem portas ou vidros é normal, onde comer com uma faca é ser estranho, onde jogar futebol e saber as regras é algo de fenomenal, é a Índia, um país que se orgulha de afirmar que na Índia tudo é possível, até mesmo um português cá vir, fazer amigos, e aprender um monte de coisas a nível de sentimentos e de valores morais. Já levei a minha bofetada de cultura, agora preciso voltar ao ponto de partida, que será a minha chegada, preciso voltar à minha normalidade, e lembrar para sempre estas diferenças que começam a ser cada vez mais iguais!

11.10.10

Diário da Índia - Dia 18

Começou a contagem decrescente num dia que nada tem de diferente dos últimos, o mesmo cansaço, a mesma falta de ânimo, o mesmo desgaste que me carrega nos ombros e que só vai sendo acalentado pelas palavras recebidas por telemóvel. Deixei o dia ir passando enquanto me tentava distrair com o trabalho, mas o pensamento cravou-se numa espécie de retrospectiva de todo o trabalho que por aqui já fiz e não me deu vontade de continuar, senti-me fraco demais para poder erguer a mão lutar contra todas estas forças. Não me sinto capaz de me animar, e continuo a mentir, mas pior do que tudo é que comecei a tentar enganar-me a mim próprio, comecei a tentar negar a falta que me faz acabar com esta ausência insistente, comecei a tentar negar a necessidade de desabafar, comecei a tentar mentalizar-me que chorar não ajuda. Preciso de um novo fôlego, estou exausto, tolhido, perdido. Preciso de um abraço, de uma carinho que me diga que tudo vai correr bem, de uma palavra que me faça ganhar força e lutar contra tudo e todos. Já não há aventura na Índia, apenas o passar dos dias que penam, já nada é novo, nada me entusiasma a ver o dia nascer, os insectos já são menos, ou já me habituei de tal forma que nem os noto… Seja como for continuo aqui, e é com isso que tenho de contar!

10.10.10

Diário da Índia - Dia 17

Hoje é Domingo, e para mim é o terceiro em que não descanso, porque alguém assim o quer, e porque não tenho eu direito a opção. É o dia do arranque, um dia importante para todos, o dia da inauguração, e a tradição nas inaugurações aqui é bem diferente do nosso tradicional abrir de champanhe. Por cá fazem-se oferendas aos Deuses para afastar os males, e para isso oferece-se ao servidor, aos computadores e aos sistemas montados, bananas, cocos e doces… Num ritual estranho partem-se os cocos e derrama-se por cima do que se quer proteger. Lá se fez a inauguração, e lá se passou a parte da manhã. À tarde, que voltou a não ser de descanso. Tive uma enorme surpresa que me ajudou a alegrar. Um miúdo de 16 anos veio ter comigo e tentou falar comigo em inglês. Era muito educado e estava sempre muito atento ao que eu lhe ia dizendo, na conversa confessou-me que era a primeira vez que estava a ter oportunidade de falar inglês com alguém, e que eu era o primeiro estrangeiro que ele via e com quem falava, até então só os tinha visto na televisão. Expliquei-lhe que eu não era nada mais do que ele, que era uma pessoa normal que apenas vinha de um pais que ele desconhecia, mas ele fez questão de se mostrar encantado por estar a falar inglês e por alguém o conseguir entender numa língua que não é a dele, ele fez-me lembrar que às vezes damos demasiada importância a coisas que não deveriam ter importância nenhuma, e que deveríamos valorizar outras às quais não passamos cartão. Fez-me bem aquele tempo que passei com o miúdo, e o telemóvel que hoje me deixa comunicar bastante bem com Portugal trouxe-me um novo alento para encarar a última semana.

9.10.10

Diário da Índia - Dia 16

Acordei com a esperança de tornar este dia num ponto de viragem, mas fracassei 20 minutos depois de despertar. Voltei a tomar o pequeno-almoço sozinho, voltei a lembrar-me da falta que me fazem as pessoas que mais gosto e voltei a cair no erro de me deixar acinzentar, de me deixar ficar mal-humorado e já nem a musica me anima. O trabalho, esse voltou a ser feito aos soluços, sem grande rendimento e sem poder “entreter” o cérebro para esquecer tudo o resto. Há atitudes que me deixam com vontade de largar tudo e gritar bem alto “para mim já chega”, dá-me vontade de virar as costas a tudo e não me importar com as consequências. Fartei-me, e já não consigo disfarçar mais, consigo apenas mentir, mas minto mal, ninguém acredita em mim. Continuo exausto, cansado do trabalho e já mal suporto o calor e o sol. Nunca imaginei que pudesse ser tão difícil querer explicar algo a alguém e não ser capaz por falar uma língua diferente, o que me leva por vezes a desejar não entender a minha própria língua. Hoje há horas extras a fazer, amanhã é o dia do arranque do sistema que ainda não está completo, ainda há muito a fazer e eu não aguento muito mais… Sinto-me a morrer por dentro…

8.10.10

Diário da Índia - Dia 15

Mais um dia em que tentei apenas ir arranjando que fazer, obedecendo a ordens que nem sempre concordo, calando as ideias que guardo em mente e me fazem torcer o bico, me fazem mostrar uma cara de desagrado mesmo não querendo mostrar. Odeio ter de arranjar que fazer quando na verdade não tenho, ou se tenho não o posso fazer, ou porque não me deixam, ou porque não me dão liberdade de escolher. Arrastou-se o dia e arrastei-me eu por onde passava. O corpo estava cá, a cabeça na lua, e o coração perdido tentando encontrar o caminho de regresso para onde nunca deveria ter saído. Ainda não me consegui mentalizar que vou cá estar mais de uma semana, continuo a sentir-me isolado do mundo ao qual pertenço e duas semanas depois ainda não me consegui adaptar a esta nova cultura. A minha cara mudou, está mais rude, mais seca, e eu estou perdido, mantenho a calma por fora mas por dentro o reboliço deixa-me doido, fervo os nervos que me tiram do sério, e desejo regressar a casa, ontem de preferência!

7.10.10

Diário da Índia - Dia 14

Acordei cinzento como o dia, não que aparente chuva, mas o sol anda meio escondido. A temperatura baixou, mas não o suficiente, e a indefinição de como vai ser o dia deixa-me com estômago às voltas. Por falar em estômago, sinto cada vez mais a falta de carne e de peixe na ementa diária. Deixei que o dia se arrastasse entre pequenas arestas que faltam limar, e entre arestas que alguns decidem criar. Foi precisamente uma dessas arestas que me fez perder a calma, pôs-me o sangue em reboliço e não aguentei mais, fartei-me de engolir sapos e abanar a cabeça, não insultei ninguém mas dei a entender que não estava virado para ser saco de boxe. Estou farto de uma terra que não é minha e que não me diz nada, estou farto de tostar ao sol todo o dia em pé, estou farto de me sentir fraco, cansado, totalmente esgotado ao fim 14 dias de trabalho ininterrupto, preciso de descansar, preciso de pôr as ideias em ordem, preciso de ir embora daqui. Chegou o dia que eu mais temia, o dia em que a aventura ia deixar de ter ilusão, ia deixar de ser novidade e se ia tornar numa monotonia que não me agrada. Custa olhar em frente e ver o que ainda falta, custa encarar cada dia como sendo apenas mais um, custa lidar com as saudades e sentir-me distante de tudo o que mais quero. Custa não ter ninguém para falar e custa cada vez mais mentir que está tudo bem quando na verdade estou a segurar as lágrimas para não caírem enquanto me mentalizo que tenho de ser mais forte ainda e quando me apetece largar tudo e correr em direcção a um pouco de carinho. Sinto-me encarcerado, rotinado e estou farto, estou cansado, quero ir embora, já…

6.10.10

Diário da Índia - Dia 13

Hoje foi o primeiro dia da segunda parte da aventura, metade da duração da estadia já passou, agora falta a outra metade! E para começar a segunda parte da melhor maneira, nada melhor que acabar com o trabalho mais duro e mais sujo, ou pelo menos assim acho eu! Desta vez sem o meu ajudante e intérprete habitual, lá tive de me desenrascar sozinho a tentar falar com o motorista numa língua que nem eu sei bem o que era! Mas lá fez o obséquio de me entender e ajudar. Ao fim de cerca 3 horas e de 4kg de pó de cimento misturado com carvão em cima, lá acabei de montar a última báscula! Da parte da tarde foram feitas as configurações da praxe e ficam agora a faltar só pequenos ajustes e acabamentos. Houve ainda tempo para eu conseguir dar uma espreitadela na minha atulhada caixa de e-mail, e descansar alguns, dando finalmente notícias através do facebook, não sei é se lá vou conseguir voltar tão cedo! O final do dia terminou em amena cavaqueira, um pouco também para esquecer a distância que nos separa de Portugal.

5.10.10

Diário da Índia - Dia 12

Hoje é feriado, não para mim como é óbvio, mas para alguns que habitam a uns milhares de quilómetros da Índia. Assim sendo, lá volto eu à minha rotina de acordar cedo e verificar que o sol lá fora já brilha, o que significa que tenho água morna na torneira marcada a azul, e água a ferver na torneira marcada a vermelho. Descubro que tenho mais uma mordidela de mosquito numa perna e lá vou eu para o trabalho cheio de vontade de acabar com isto, e da parte da manhã foram talvez as horas que melhor me correram, nem dei pelo tempo passar e o trabalho era como se voasse das minhas mãos. Voltei a casa para o almoço e tive a felicidade de comer um prato bem português, comi feijoada! Juntei um pouco de arroz sem sal, e consegui um sabor quase português. Ainda assim sinto falta de coisas tão básicas e simples que não passa pela cabeça de ninguém. Um dia destes acordei com vontade de comer um bife, com batatas fritas e um ovo estrelado, isto de ser vegetariano à força não é nada fácil, até do pão sinto falta, ou de um iogurte, coisas que quando estou por Portugal são banais. Deixo-me passar pelas brasas no fim de almoço com paladar português e ao despertar consegui, imaginem só, escaldar uma mão ao abrir a torneira… da água fria! Na Índia é tudo possível… Talvez por me ter escaldado a tarde já se arrastou mais um pouco e ao cair da noite fiquei um pouco mais nostálgico, e deixei as saudades baterem à porta, foi-me valendo que hoje o telemóvel deixa-me receber mensagens e fui falando com os amigos para tentar apaziguar a saudade. Contudo não me posso queixar de falta de companhia, hoje tenho especialmente o quarto cheio de insectos! Não sei o que se passa, talvez um dos residentes do meu quarto faça anos e tenha decidido dar cá uma festa, tive de fazer um esforço para não pisar nenhum no caminho até à cama. Já lhes pedi para fazerem pouco barulho que quero dormir e para se deixarem ficar pelo chão, nada de me vir fazer companhia durante a noite para a cama, espero que obedeçam senão acabam-se as festarolas à semana aqui no quarto, ficam desde já avisados!

4.10.10

Diário da Índia - Dia 11

Inicio de mais uma semana, por Portugal há quem não trabalhe pois aproveitou para prolongar o fim-de-semana, mas por cá eu trabalho, e o dia foi de calor intenso. Consegui voltar à minha forma normal depois de ter aproveitado bem para descansar no tempo que tive livre, e deixei que o suor me escorresse como se necessitasse de secar por dentro, deixei o sangue ferver e encarei o trabalho como um objectivo que não podia falhar, e não falhei, apesar disso não me correu lá muito bem o dia, tive sempre entre 4 a 5 pessoas coladas a mim (e quando digo coladas é a uma distância em que consigo sentir-lhes o bafo a caril) a ver o que eu estava a fazer e a falar e Hindi entre si, e tive um indiano que de tanto me querer ajudar só me estorvava, mas lá consegui dar conta do recado. Acho que me começo a acostumar a esta terra onde se arrota à mesa com toda a vontade e não se pede licença nem desculpa, onde se tem respeito e pena de tudo quanto é ser vivo que se mexa por isso nada de matar os mosquitos que me ferram o corpo todo, onde não ser vegetariano é estranho e é ser diferente e onde dizer que venho de Portugal é como dizer que sou marciano, acho que já me habituei aos bichitos no meu quarto, já nem lhes passo cartão e desvio-me deles para não os pisar e não ser etiquetado de assassino de seres indefesos. Da próxima vez tenho de me lembrar de trazer Fenistil. Num dia que acabou de forma nostálgica, senti uma vontade enorme de correr para uns braços que estão tão longe, e sentir aquele aconchego que senti na partida, deixei escorrer uma lágrima para me lembrar que tenho de suportar isto, e que em breve lá estarei eu a receber esse mesmo abraço mais forte e multiplicado um sem fim de vezes!

3.10.10

Diário da Índia - Dia 10

Domingo, dia de folga, não para toda a gente. Eu trabalho, só de manhã e num ritmo mais baixo que já começa o cansaço a ser muito é certo, mas trabalho. No fundo sinto-me a trabalhar sempre que não estou a dormir, porque os temas de conversa acabam sempre por acabar no trabalho. Preciso de descanso, preciso de algo que me alivie este stress constante, estas pressões pequenas que todas juntam se tornam numa grande. A conversa com amigos era o ideal, mas sem Internet e com um acesso limitado ao telefone não se torna fácil comunicar com os que me são chegados e estão agora tão longe. Vou por isso tentando fazer amigos por aqui, pelo menos para durarem no tempo em que cá estou, sei que nunca mais os vou ver no dia em que partir, mas por estes dias é a eles que me lamento, e com eles que me animo, é com eles que alivio, apesar da língua ser uma entrave há sempre uma maneira de nos exprimir-mos. Escrever já não chega para aliviar as saudades, os telefonemas sabem a pouco, e eu sinto falta de coisas tão básicas que as diferenças de cultura não me dão, mas cá me vou aguentando. Numa tentativa de me distrair e esquecer todo este enorme reboliço de sentimentos, tive neste fim de tarde um jogo de futebol, ou pelo menos algo parecido com isso, um jogo divido por nacionalidades, de um lado 3 portugueses, do outro 4 indianos, o resultado nada importa, até porque na Índia o futebol não é um desporto comum, e eles nem a as regras sabiam, um deles foi a primeira vez que jogou futebol e sentiu-se extremamente feliz por ter marcado um golo! Valeu a pena este tempo passado a dar umas boas corridas e uns valentes chutos na bola, deu para aliviar. Talvez fosse esta a parte mais interessante deste fim de tarde, não fosse o que se passou a seguir extremamente insólito. Fui convidado para ir até à cidade, e lá fui eu, porque oportunidades de sair aqui da fábrica não são muitas. Na volta, o condutor do carro conseguiu infringir a lei mais vezes que uma ambulância do INEM em marcha de urgência, conseguiu andar em contra mão de máximos sempre ligados mesmo quando vinha alguém de frente, sem cinto (coisa que por aqui ninguém usa), a falar ao telemóvel enquanto segurava uma garrafa de cerveja de 1,5l na outra mão! E andam os polícias em Portugal a passar multas de estacionamento nos carros que excederam o tempo do parquímetro…

2.10.10

Diário da Índia - Dia 9

Dia 2 de Outubro é o aniversário de Gandhi, por isso é feriado nacional, mas não é para toda a gente, para mim por exemplo foi dia de trabalho na parte da manhã, e na parte da tarde fui visitar o centro da cidade de Rewa, no fim de uma sesta para recuperar energias, que bem preciso. O caminho de cerca de 11Km até Rewa não é muito fácil de ser feito, ora pela sinuosa estrada, ora pelo trânsito desordenado, ora pelas vacas no meio do caminho, é sempre uma viagem emocionante. Na verdade a cidade não tem muita coisa para ver, tem um museu com animais embalsamados, como tigres, tigres brancos, e outros de pequeno porte, valiosas peças em prata pertencentes à realeza, e a particularidade de apenas se poder visitar o museu descalço. No centro da cidade a azafama é imensa, e atravessar a estrada é uma tarefa árdua com sucessivos avanços e recuos. Existe o chamado mercado, que não passa de uma avenida ladeada de lojas onde se vende sobretudo ouro e roupa, e onde cada loja com porta tem uma pessoa cujo único serviço é abrir e fechar a porta, quando alguém tenciona passar. Escurece e torna-se muito difícil circular por aqui, porque devido à quantidade de luz aqui existente, a quantidade de insectos é muito maior, ao ponto de ser impossível pousar um pé sem esmagar uns quantos bichos, na verdade andamos literalmente em cima dos bichos. É por isso hora de retornar a casa, jantar e voltar a descansar…

1.10.10

Diário da Índia - Dia 8

Mais um escaldante dia de trabalho, mais umas valentes suadelas, mais uns milhentos mosquitos afugentados da minha cara e mais duas básculas prontas num dia que eu pensava que ia acabar cedo! Durante o dia os camionistas que vão ficando surpreendidos com as mudanças, iam-me questionando sobre a finalidade dos dispositivos que estou a montar, em indiano é claro, e eu farto de ouvir falar uma língua que não entendo e farto de tentar falar em inglês para eles e dizer que não percebo o que me dizem decidi falar-lhes em português, respondendo que o que eles vêm vai no futuro servir para tirar gelados e mais tarde café, coisa que por aqui eles acham que é cevada. E lá me fui entretendo assim pelo resto do dia. Consegui até ser atropelado por um insecto de grande porte que me pôs alguns segundos à procura do norte tal foi a pancada no olho esquerdo! E quando pensava que tinha terminado o trabalho por hoje eis que alguém se lembra de fazer testes e configurações, coisa que durou até às nove e meia, e foi preciso apertar para irmos embora caso contrário íamos ficar sem jantar… As refeições são sem dúvida o que mais me custa a passar. O pequeno-almoço é divinal, bem ocidental, com leite, cereais, torradas, fruta, sumo, já as outras refeições são vegetarianas e o esforço deles para fazerem comida ocidental é enorme, mas falta-lhes aquele paladar português, serve simplesmente para tapar o buraco. Amanhã é dia de aniversário, mas não meu…