Várias
vezes brinquei com a situação de dormir acompanhado na India, por insetos que
me assaltavam a cama durante a noite principalmente a primeira viagem que fiz
para cá, mas hoje, ao pequeno-almoço, foi proposto pelo gerente da casa que
partilhasse o quarto, porque estava para chegar uma importante visita e não
tinha onde ficar. Ora entre partilhar o quarto, que até tem dois colchões mas
um só édredon, e mudar para uma casa com condições bem piores, lá acedi a
passar duas noites “acompanhado”. Mais tarde deixou de ser necessário, e afinal
até vou passar a noite sozinho. Entre o pequeno-almoço e o jantar nada mais
fora da rotina habitual aconteceu que mereça destaque. Começo a ter dificuldade
em encontrar algo para contar, algo marcante, que faça a diferença, que mostre
o choque de culturas. Se calhar começo é a habituar-me eu a tudo o que por aqui
acontece e tudo me parece banal, normal e nada me surpreende. Nem mesmo os
tijolos feitos de uma matéria estranha que parecem ter o peso do mesmo volume
em esferovite, e a verdade é que se desfazem como esferovite apesar de
aparentarem ser tijolo-burro, daqueles que se fazem os fornos e as lareiras. Já
tudo me parece normal, o sol que se esconde o dia todo entre a poeira, os
portões e portões e portões que atravesso diariamente e que parecem apenas servir
para dar emprego ao sem fim de seguranças que por cá se passeiam, as bicicletas
com travões na roda traseira com chave (funcionam como um cadeado, neste caso
fica a roda da bicicleta travada com chave), as lombas e as más suspensões dos
TATA e dos Mahindra, tudo é banal e normal nesta terra, menos eu, eu sou o
estranho, eu sou o português, eu sou o que vem de um país que a maioria nunca
ouviu falar, eu sou o que tem ferramentas estranhamente funcionais e novas, eu sou
o único a querer ir embora daqui, eu sou o único que não os entendo e sou o
único que não me faço entender. Ao menos enumerei algumas coisas em que sou
único!
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