27.11.12

Diario da India III - Dia 24


Hoje pensei em escrever sobre coisa nenhuma, nada aconteceu durante o dia que fosse digno de um relato mais ou menos detalhado capaz de entreter alguém que o lesse, ora pela minha falta de criatividade, ora pela falta de algo diferente, único ou simbólico. Nem mesmo ter acabado hoje a leitura de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (marco histórico para mim uma vez que só à terceira tentativa consegui ler a última página, a última frase, a última palavra) seria algo capaz de manter qualquer leitor atento. O jantar parecia mostrar-se na solidão. Numa mesa com doze cadeiras, apenas eu figurava num canto como quem tem vergonha de ser visto. A refeição é a mesma de sempre aos jantares e almoços, massa esparguete com pimentos e falta de alguém para conversar durante o jantar tornava a comida ainda mais desenxabida. A lata de bacalhau que trouxe de casa, desta vez continha dentro, além do bacalhau, do sal e do azeite, dois dedos de treta bem longos. Desengane-se quem pensa que falei com um bacalhau, ou com um pedaço de posta neste caso. Estive o jantar todo a falar com os serventes. Três nepaleses e um indiano. Tudo começou no momento em que abri a lata. Uma conversa num inglês muito mal explicado em que a linguagem gestual tentava fazer-se ouvir, simples palavras, simples gestos, pequenos desenhos, largos sorrisos… Perguntaram-me se o que comia era cobra, sabendo depois que era peixe perguntaram se era do mar, se eu era chinês, quanto era o meu ordenado, de onde vinha, onde ficava Portugal, como me chamava, qual a minha idade, se era casado, quando ia embora, mas tudo com muito respeito e sempre pedido licença para falar e perguntado se me estavam a incomodar e perturbar o meu jantar. Respondi que não, estava-me a fazer bem a conversa, estava a apreciar o quanto eles estavam interessados em falar com um estranho que come peixe do mar. Perguntei-lhes os nomes, que não decorei, perguntei as idades e disse-lhes que fazia anos na próxima quinta-feira. Só hoje me lembrei que fazia anos quinta-feira por causa de uma mensagem. De pronto me perguntaram se queria uma festa ou queria frango, disse-lhes que o frango aceitava mas a festa não porque não tinha cá os amigos, respondeu-me um num inglês meio aos soluços, na India tens quatro amigos, três do Nepal e um da India, nós somos os teus amigos. Palavras que me fizeram suspirar, no final fiz questão de os cumprimentar, mostraram-me toda a sua humildade. Não merecem o desprezo e o desrespeito com que são tratados diariamente, gostava de lhes mostrar um mundo diferente, fora da Asia, que lhes pudesse dar um novo futuro, mais decente, como eles merecem. Vou levá-los comigo, no coração!

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